“Às folhas tantas do livro de matemática,42-17720056
um quociente apaixonou-se
um dia doidamente por uma incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável e
viu-a, do ápice à base.
Uma figura ímpar olhos rombóides,
boca trapezóide,
corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da sua uma vida paralela a
dela até que se encontraram no infinito.
“Quem és tu?” – indagou ele com ânsia radical.
“Eu sou a soma dos quadrados dos catetos,
mas pode me chamar de hipotenusa”.

E de falarem descobriram que eram
o que, em aritmética, corresponde a almas irmãs,
primos entre-si.
E assim se amaram ao quadrado
da velocidade da luz
numa sexta potenciação traçando
ao sabor do momento e da paixão retas,
curvas, círculos e linhas senoidais.
Nos jardins da quarta dimensão,
escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do universo finito.

Romperam convenções Newtonianas e Pitagóricas e, enfim,
resolveram se casar, constituir um lar mais que um lar,
uma perpendicular.
Convidaram os padrinhos:
o poliedro e a bissetriz, e fizeram os planos,
equações e diagramas para o futuro,
sonhando com uma felicicdade integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma
secante e três cones muito engraçadinhos
e foram felizes até aquele dia em que tudo, afinal, vira monotonia.
Foi então que surgiu o máximo divisor comum,
frequentador de círculos concêntricos viciosos,
ofereceu-lhe,a ela, uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, quociente percebeu que com ela
não formava mais um todo, uma unidade.
Era o triângulo tanto chamado amoroso desse problema,
ele era a fração mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser moralidade,
como, aliás, em qualquer Sociedade …”

Millôr Fernandes


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